por uma dessas coincidências (por vezes mórbidas) do destino, morreu ontem (ou, pelo critério do post midnight, anteontem) waldik soriano, bem enquanto eu estou lendo um livro chamado "eu não sou cachorro, não - música popular cafona e ditadura militar".
neste livro, por sinal, há uma foto que prova que waldik foi o pioneiro no que diz respeito ao estilo "blues brothers" (ou irmãos cara-de-pau), com terno preto, chapéu e óculos escuros.
(divagação: irmã cara-de-pau está nas top 10 fantasias que eu tenho vontade de usar um dia numa festa; o problema é que as pessoas provavelmente não entenderiam a referência, e já basta ter ido vestida de delirium dos perpétuos para uma festa onde certamente NINGUÉM entendeu de quê eu estava vestida)
voltando ao livro, o autor tem uma tese bem interessante de que "os compositores cafonas dos anos 70 não eram tão alienados ou adesistas. foram censurados inúmeras vezes", etc. dizendo assim, parece meio chato e acadêmico, mas nem é o caso. o livro é de paulo cesar de araújo, o mesmo que escreveu a biografia de roberto carlos (que eu comprei antes de mandarem recolher e não li até hoje; sou assim, caótica em minhas leituras). e tem histórias ótimas sobre toda essa renca de cantores considerados cafonas, ao mesmo tempo em que se incensava a MPB contestadora. leitura recomendada.
não dá para saber, ainda, se a tese do autor se sustenta, mas faz muito sentido. afinal, se você veio de lá de baixo, não podia ficar caminhando e cantando nas passeatas; tinha mais é que ir trabalhar. por outro lado, é um fato que, embora os ditos cantores cafonas tenham lançado milhares e milhares de discos (waldik soriano, segundo eu li hoje no jornal, lançou 84 álbuns e 500 músicas! gente, esse homem não dormia?), a história musical do país simplesmente ignora tal fato. queria ver se aqui tivesse um billboard top 100 de cada ano com as músicas nacionais, como nos estados unidos.
e, claro, este post está entregando meu pé na breguice musical. porque é um fato, eu curto umas velharias cafonas. não cheguei - ainda - a baixar discos, mas as músicas que estariam nesses billboards da vida convivem lindamente no meu iTunes com os rocks, os indies e os dances. e eu nem apago elas do last fm. mas tem que ser brega velho, ou seja, cafona (até o som da palavra é vintage).
mas tentando voltar ao tema principal, ou seja, waldik soriano, o fato é que eu soube da morte dele subida num transport. ou melhor: lá estava eu tentando não assistir o DVD de claudia leitte em copacabana, eis que aparece em ana maria braga uma reportagem antiga com waldik soriano no programa. batata, eu pensei "gente, o homem empacotou, só pode, senão a troco de quê iam estar falando dele?". e deve ter sido engraçado para o eventual espectador da cena "sala de ginástica" ver que TODOS (no caso, todas, porque só tinha mulher lá, todas desocupadas como eu, imagino) estavam assistindo claudinha leitte, e eu estava desesperadamente tentando ler os lábios das pessoas do programa mais você enquanto imagens de waldik soriano se sucediam da tela, ao mesmo tempo em que fazia meu "ski aéreo".
aliás, sobre o tema "morte", eu gostaria de transcrever aqui a frase de meu amigo fernando (que também é apreciador do bom e velho estilo cafona - e será co autor de uma festa brega, vocês ainda verão este dia - e deve ter ficado igualmente sentido com a perda), em resposta a um e-mail meu dizendo que dr. olavo setúbal havia morrido (coisas de quem foi funcionário do banco do homem): "depois que a dercy nos deixou, o sentimento de imortalidade foi junto. acho que agora vai ser o festival de reciclagem dos velhinhos.".
gente, não é super digno dercy, enterrada de pé com suas perucas, jóias, pererecas e o sentimento de imortalidade, numa tumba em forma de pirâmide, pronta para virar mum-rá?
e para finalizar, queria que vocês lessem a crônica de xico sá (que é semi deus) sobre a morte de waldick (tá no blog dele, aqui), porque esá bem legal.
"VOCÊ NÃO É CACHORRO NÃO, MAS EU SOU WALDICK SIM, COM MUITO ORGULHO
Morreu, digo, partiu desta para uma melhor, o cantor e compositor Waldick Soriano, o nosso Johnny Cash baiano, como diz o escriba e amigo Zé Teles. A imagem que fica é o seu chapéu preto voando em uma noite fria de São Paulo, mas precisamente na porta do cabaré do viejo Charles Bronson, ali na rua Avanhandava. Foi a última vez que estive com o ídolo, finalzinho do ano passado. Inesquecível a conversa molhada por duplos uiscões inspiradores. Nós, cuja educação sentimental, aí incluindo os bons pares de chifres, devemos a WS, o homenageamos com esta crônica que segue, e que a terra e todas as dores de amores lhe s sejam leves... No cinquentário da bossa-nova, sinto muito pelos bons modos jazzisticos que tanto agradaram a classe média do sr. João Gilberto, mas ninguém me disse mais coisas do que esse homem que cantava Dostoievski para as putas e para as nossas mães ao mesmo tempo:
“Hoje que a noite está calma/ E que minha alma esperava por ti/Apareceste afinal/ Torturando este ser que te adora...”
Cuba libre e uma canção de Waldick Soriano, quem há de resistir?
Quem há de se meter a bacana e não deixar irromper das profundas e sinceras cacimbas d´alma a cafonice de nascença? Brega não, cafona sim, hoje e siempre.
Lembro minha mãe Maria Socorro e a prima Maria Ivone, nuestra amada e bolerística Marivone, o buriti-mor da generosidade do Crato e arredores, ouvindo Waldick e Nelson –“Fica comigo esta noite/que não te arrependerás/ lá fora o frio é um açoite...”
E o primeiro porre? Sullivan, Adailton, Garrincha...O elenco. O meu foi no Caldas, Barbalha, também nas áreas dos Kariris, antes mesmo de conhecer os escribas Wilson Vieira e Josélio Aráujo, amigos do ramo e daquela terra, barcos que navegam com a verve da cachaça e do lirismo -de que mais pode ser feito um homem de verdade a não ser com essas duas argamassas?
Sem essa de brega-cult, modinha de machos & fêmeas, imperava a cafonália mesmo,e a trilha sonora do primeiro porre não poderia ser mais bela: Bartô Galeno,claro. “No toca-fita do meu carro, uma canção me fez lembrar você
Mas voltemos a Waldick, toque outra vez meu amigo, talvez não haja canção mais bela, sim, do que “Tortura de Amor”, aquela cujos versos enfeitam a cumeeira desse texto,e que prossegue, mais ou menos assim: “Volta, fica comigo só mais uma noite/Quero viver junto a ti/Volta, meu amor/Fica comigo, não me despreza/A noite é nossa e o meu amor pertence a ti”.
Chora, Evaldo Costa, lembra do tempo em que nos consolávamos com a radiola do Robertão 70, clássico do romantismo dos derredores do Parque 13 de Maio, no glorioso Recife? Pelo que sabemos, eis que o destino levou Robertão, e não por morte morrida, por morte matada, um covarde faca que arranca as tripas de um homem como o neo-realismo vira o sol das existências. Robertão,sósia do rei, era mesmo um greco-pernambucano, a tragédia dormia debaixo dos caracóis dos seus cabelos.
Toca outra vez, Waldick: “Hoje eu quero paz,/Quero ternura em nossa vida/Quero viver, por toda vida,/ pensando em ti”.
Falar no homem, essa mesma “Tortura de amor”, com o grupo português Clã, é uma coisa d´além mar. Pense numa dor-de-corno com acento de fado e melancolia à moda do Porto! A homenagem a Waldick está no cd “Eu não sou cachorro, mesmo”, da Allegro Discos, a mesma gravadora que havia feito um tributo a Odair, esse outro monstro do chifre. Além da mocinha do Clã se derramando de amor & dor, tem China e Lula Queiroga cantando Marcio Greyck, que eu vou te contar, uma coisa de cinema, uns curiós, uns pitiguaris, umas patativas, uns sabiás...
Toca outra vez, Waldick, desce mais uma, Robertão 70, e que vocês se entendam por ai... Daqui do planeta azul, platonicamente hablando e tirando onda de sofista em tubarônicas bocarras, pago la dolorosa... Depois de todas as saideiras a gente se reencontra. Beijos."
Nenhum comentário:
Postar um comentário